Como se costuma dizer, a pedido de várias famílias, fica "improbiso" escrito e lido pelo autor em 22 de Junho de 2013 no levantamento de escritores, no Porto, contra o cancelamento histórico da Feira do Livro do Porto, o primeiro em 83 anos. Há uma segunda versão no blogue "Ignorância", a de 29 de Junho:
"
Leio
sempre o cão da Adélia quando bou arrumar carros prós pobeiros.
Leio
o pintor do Afonso debaixo do laba-louças da casa dos meus pais em
Fernão Magalhães.
Leio
os pretos da Aida sempre que me atiro do tabuleiro de baixo pró
Douro.
Leio
como tu, Ana Luísa,
enquanto
tento beijar a primeira namorada nas escadinhas da Bitória, durante
o fogo de São João.
Leio
a Morte no Estádio do Biegas na bancada norte do Estádio das Antas,
com
muito cuidado para num tomar nada em lado nenhum, enquanto
dou a mão ao meu pai, mesmo antes de ber o Pabão cair e eu a
lebantar-me da bicicleta, caí binte bezes no pabilhão américo de
sá enquanto o meu pai treinaba boleibol e eu sacaba cabalos sem
rodinhas.
Leio
a memória do Germano a pairar sobre a Ribeira, quando a minha mãe
me manda buscar cruzetas para pendurar camisas e eu respondo sempre
fuoooooogo!
Leio
este poema foi escrito ontem do Barreto Guimarães, este poema foi
escrito ontem no prado do repouso a apanhar a ponte do comboio, a
ponte do comboio e o douro por uma nesga.
Leio
os papas, "os" papas, de sarrabulho do Rocha na pensão que
já num há na Mártires da Pátria em frente ao Lumiére
e
sabem o que tinha a pensão?, tinha uma língua de bitela do carago.
Leio
o Palácio de Cristal do Marmelo no Pabilhão Rosa Mota entre os
pabões que me moem o juízo quando eu quero ir atrás dos patos
antes de ber a bista prá ponte da Arrábida.
Leio
as cores do bento do Miguel Miranda na Foz, a comer um croissant da
Doce Mar
no homem do leme c'uma manta.
Leio
os anagramas do Zimmler ali numa mesa da Arcádia, onde eu declarei
amor à minha mulher de uma forma muito estranha, ora bê lá se
percebes o que está escrito aí, era o livro de introdução ao
direito do batista machado a falar de hermenêutica e
ela disse
num entendo e eu disse também eu num entendo, e depois beio o
empregado da Arcádia e eu disse quero
um café
e ele, aqui
só servimos lanches,
e eu, quero um café e um lanche então.
E
lebo a fábrica do tempo da Sílbia para o concerto do Rui Beloso de
87 no Coliseu quando ele canta assim: quem bem e atrabessa o rio,
junto à serra do Pilar, bê um belho casario, que se estende até ao
mar.
Lebo
o corte e costura do Paulo Ferreira ao meu alfaiate em Santa
Catarina, que me fez um fato do carvalho de um pano do Ermenegildo
para eu me casar que até o emplastro quando me biu na Madalena
bestido disse "Fuôôôd......" e eu depois de ficar gordo
e num caber no fato mudei a etiqueta do Ermenegildo para todos os
casacos que lebo quando bou a Lisboa e digo assim, Bera, troca-me a
etiqueta e ela troca.
Lebo
o livro do Pedro Guilherme-Moreira, aquele muito jeitoso sobre o 11
de Setembro, aquele o libro,
num
é o Pedro Guilherme-Moreira,
lebo
o libro às escolas quando sou eu que bou falar às escolas porque eu
sou o Pedro Guilherme-Moreira
e
é por isso que lebo o libro que o pessoal de Baladares diz que é o
amanhã do mundo, num é "a" manhã, é o amanhã, mas
quando lebo o libro pra ler
sento-me
no chão da Cimo de Bila que está sempre à sombra, porque eu nasci
lá, na Cimo de Bila e o meu abô tinha logo abaixo, na Rua Chã que
é pegada à do Loureiro dos rádios de pilhas, o meu abô tinha a
Casa Caius e
bendia tabaco e
harmónicas, daba-me uma harmónica sempre que eu ia lá e me
estendia no balcão de madeira que era maior, só
o balcão,
do
que uma loja média de shopping hoje em dia, quando eu ia de boleia
com o meu abô na 4L castanha saía em frente à polícia e binha
pelo túnel e pela biela e é por isso que quando eu como adbogado
fiz o contrato de trespasse da Casa Caius aos chineses só num chorei
porque num calhou e o meu abô me dizia bais ser escritor pega lá
dois contos e bai comprar chocolates,
estás
a ber a feira do libro ali em baixo?, um dia bais-te sentar numa mesa
para assinar libros e ninguém bem, ninguém bem, mas isso é que é
ser escritor, filho, trabalha e fica à espera, trabalha e fica à
espera, trabalha e fica à espera,
o
meu abô num sabia que um dia os senhores espertos nos iam tirar a
feira, mas num tiram mais nada, num senhor, e o meu abô até ia à
Lamiré lá em cima na Rua da Alegria dos Azeitonas entregar
instrumentos e dizia sempre para o senhor só pagar quando pudesse,
assim o meu abô, que era honrado e tinhas contas à moda do Porto,
ia ber este deserto nos Aliados e habia de dizer assim: podem tirar
as barracas dos libros, mas num nos hão-de tirar a alma e tu bai lá,
filho, tu senta-te na mesma com os teus escritores e fala de quando
binhas para cá pequenino e te punhas naqueles prepósitos encostado
às paredes de granito das casas da biela do anjo, de pé e de bruços
encostabas-te às paredes de granito e lebantabas os braços e
gritabas "O Porto é meu, abô, o Porto é meu!" e eu
dizia-te sai lá daí, mas num queria nada, num queria nada que
saísses, faz assim agora meu filho, lebanta os braços encostado a
uma parede da praça e diz outra bez "O Porto é meu, abô, o
Porto é meu, abô!", num há feira, mas há escritores, num há
feira, mas há escritores. E digam lá se pode ou não comer-se o
Porto! Num pode! Bibó Porto! "
PG-M 2013
foto de Lourdes Costa