quinta-feira, 9 de junho de 2011

Crítica de Pedro Brás Marques/ A review in portuguese

«A Manhã do Mundo», por Pedro Guilherme-Moreira, Ed. D. Quixote, 2011. Antes do mais, convirá uma declaração de interesses: conheço o Pedro há cerca de trinta anos. Fomos condiscípulos no Colégio, embora em anos diferentes e viemos a coincidir na profissão. Não se pode dizer que sejamos próximos, mas temos confiança suficiente para nos sentarmos a uma mesa, tomar um café e trocar dois dedos de conversa.
Dito isto, foi com redobrado interesse que avancei para este livro do PG-M, lido, curiosamente, em grande parte, dentro de um avião, nas viagens futebolísticas entre Porto e Dublin. “A Manhã do Mundo” está a ser anunciado como o “primeiro” do autor, uma afirmação a ser complementada com “numa grande editora”, uma vez que o Pedro já publicara outras obras.
A capa não deixa dúvidas: o tema é o 11 de Setembro de 2001, provavelmente o mais icónico acontecimento deste jovem século. Mas PG-M não avança para explicações políticas ou, sequer, civilizacionais. Não, o choque, aqui, é outro. São os minutos finais de um punhado de vidas, confrontado com o seu fim existencial. O que terá passado pela cabeça desta gente? Rezaram, choraram, encolheram os ombros, gritaram, saltaram? Cada um dos personagens escolhidos tem uma história, um mundo imenso só seu, a experiência de uma viagem única prestes a terminar. Estão ali porque as circunstâncias o ditaram. Podiam, até, ter estado noutro sítio, àquela hora pois “ao contrário de muitas histórias do 11 de Setembro, em que o fio do destino poderia ter flectido ou vibrado de outra forma por causa do mais ínfimo pormenor” (pag.91) aquelas vão terminar ali mesmo. “A religião, qualquer religião, serviu(…) Os que buscaram apenas a razão, morreram mais depressa” (p.155). Por vezes, muitas vezes, até, o autor deixa passar a ideia da existência de um certo determinismo, de que aquelas vidas, como as nossas, teriam um Destino traçado, o que é alimentado pelas pequenas histórias e acontecimentos que preencheram a vida das personagens antes do Inferno abrir portas em Nova Iorque. É um conceito que muita gente aceita, só que eu não, mas que o PG-M usa com mestria, assim enriquecendo a complexidade de cada personagem, especialmente face ao inevitável. Como o voo. Esse salto para o vazio, desde uma torre de metal, quando já se percebia que a salvação física era uma impossibilidade e que os edifícios iriam desaparecer “como se alguém se tivesse limitado a arrancar o ralo da banheira e essoutro gigante, o de aço e betão, se tornasse líquido” (p. 161).
Com uma maturidade na composição da trama e na caracterização de personagens que me surpreendeu, PG-M oferece ao leitor uma nova visão sobre um acontecimento que, todos nós, vimos, sentimos, mas não estivemos ao lado daqueles que literalmente a viveram. Eu sei exactamente onde estava, com quem estava e, até, que canal e que jornalista estava no ar, quando o segundo dos aviões embateu. Há uma dimensão “bigger than life” neste ataque terrorista e na posterior derrocada das torres. Mas o grande mérito deste livro é obrigar-nos a alterar o enfoque, qual “efeito Google Earth”, do cenário enorme e global que conhecemos para centrar a atenção em cada ser humano que ali esteve e que o autor escolheu para, quase dez anos depois, ressuscitar sob a sua pena. 
Mas o autor não se limitou a pseudo-ficcionar o passado. Criou um “verso” e um “anverso”, cedendo a esse pueril desejo que guardamos dentro de nós de poder mudar o mundo e, em especial, o passado. Não, não se trata de uma investida na temática da “História Alternativa”, um sub-tema tão querido ao universo da ficção científica. O que PG-M nos oferece é a continuação da viagem das personagens, como se elas não tivessem desaparecido, para que concluamos que as suas reacções são iguais às nossas, que por cá ficámos. Efectivamente, nunca será demais recordar que podia ter sido um qualquer de nós, naquele dia, naquela cidade, naquelas torres… 
Parabéns, Pedro!
Pedro Brás Marques, Junho de 2011