segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A crítica de Pedro Teixeira das Neves no PtNet Literatura


Pedro Teixeira das Neves é, além de autor premiado, jornalista no "Câmara Clara" (RTP2) e faz crítica literária. Aqui está a sua apareciação ao livro "A manhã do mundo":
[06-08-2011]  |  Pedro Teixeira Neves
Muitas manhãs teve o mundo desde que é mundo, mas poucas terá tido como aquela do 11 de Setembro de 2001. O século havia acabado de mudar e com ele a esperança, sempre adiada, de um planeta melhor, livre de ameaças globais, como a guerra, a fome, a seca, os confrontos religiosos e político-ideológicos, etc. Porém, nesse Setembro fatídico do novo século a vir um monstro novo (ou renovado) mostrava os seus dentes, a sua cabeça, e a sua endémica insânia: o terrorismo made in século XXI irrompia fazendo colapsar em segundos as célebres Twin Towers nova-iorquinas. A América era atacada dentro de casa, no coração agora transformado em trevas. Aí, sim, o mundo verdadeiramente mudava e quem assistia em directo ao terror pelas televisões arrepiava-se na plena consciência disso mesmo. Uma vez mais, a realidade parecia troçar da ficção, suplantando-a de longe.

Resultado, um mundo em convulsão, novos confrontos militares de toada vingativa pela frente, milhares de mortos para contabilizar. Só no ruir das torres, cerca de 3 mil, de múltiplas nacionalidades. Éramos, fomos (somos?) todos americanos por alguns momentos de dor e incompreensão. Avancemos para o que aqui nos traz, uma vez o contexto exaurido: o 9/11 era óbvio que trazia consigo o gérmen de muita matéria ficcional, ensaística e romanesca pela frente. Simplesmente pelo impacto emocional que despoletou nas pessoas, simplesmente pelo insólito e inominável dos factos. Pois bem, cerca de dez anos passados pela fatídica data, há novo romance português sobre o assunto.

Escreveu «A Manhã do Mundo» Pedro Guilherme-Moreira, no que constituiu a sua estreia ficcional – ao que parece, com um livro que deveria ter sido o terceiro a ser editado; da sua lavra, entendamo-nos. Mas isso são outros quinhentos, a confirmar quando os ditos vierem a lume. Para já, este interessante romance, muito contido e seguro, como pedia a temática, muito bem estruturado e urdido no jogar e entrecruzar das vidas e mundos das suas várias personagens. Como mote, os saltadores. Aqueles e aquelas que voaram para a morte do alto das torres em chamas, aqueles e aquelas que alguns, do alto da sua cegueira catolicista, viram como desistentes e por isso os renegaram – é o que conta a história do documentário «The Falling Man», foi o que indignou e fez reflectir Pedro Guilherme-Moreira.

Estamos, pois, por dentro de vidas, vidas cujos destinos se cruzaram no acaso do destino. Porém, e porque aos acasos muito devemos, tanto na vida como na morte, e se alguém tivesse tido a capacidade de prever o nefasto acontecimento e ousasse, e pudesse inverter a marcha da História? É por aí que corre o romance, dando-nos uma primeira perspectiva do atentado, apresentando-nos os pequenos mundos interiores dos seus actores, para, numa segunda parte, quase chicoteado o enredo, meter marcha-atrás e trocar as voltas ao destino, ou a parte dele. Relato emocionante de vidas e afectos, caminhamos nas suas páginas com as personagens, quase sentido por dentro o turbilhão emocional por elas experimentado. E com elas quase podemos dizer, somos todos saltadores…

Romance de cariz psicológico, «A Manhã do Mundo» não é, malgrado o assunto que trata, um romance de desesperança, não é um romance interessado em desmontar as peripécias trágicas daqueles que morreram, não é um livro interessado em abrir feridas, antes um livro preocupado com as pessoas, com os seres humanos, interessado em dar-nos o seu lado melhor, em revelar o fundo de humanidade que nos assiste até nas piores circunstâncias. É, nesse sentido, um livro positivo, que, mais do que tudo, ensaia compreender/ aceitar, para seguir adiante. Não se trata pois de diabolizar o outro ou outrem, antes de dizer, de lembrar, de não deixar esquecer. Ler um livro, ler este livro, não é senão um passo nesse sentido obrigatório. Não deixar morrer."